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O QUE É INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL João de Fernandes Teixeira INTRODUÇÃO Conta uma velha anedota que uma vez um famoso teólo go da idade Média foi visitar o rei Alberto, o Grande. Quando chegou ao p alácio real foi recebido por um boneco mecânico que se encarregou de abrir-lhe a porta e f azer-lhe as mesuras de um autêntico mordomo. Indignado, o teólogo não resistiu aos seus impulsos e estraçalhou o boneco mecânico. Esta anedota-talvez verdadeira, quem sabe-pode nos ajudar a dar um primeiro passo para entendermos o que seja a Inteligência Ar tificial. A expressão “Inteligência Artificial” soa de maneira assustadora, e talvez mu itos de nós reagíssemos como o teólogo em sua indignação ao ver que uma máquina pode fazer aquilo que achamos ser uma exclusividade do gênero humano: pensar e agir racio nalmente, executando tarefas para as quais se supõe que a inteligência seja necessária. Talvez muitos já tenham ouvido falar de projetos mirabolantes, como a construção de “cérebr os eletrônicos” que seriam ligados na tomada e teriam “pensamentos” iguais aos nossos, ou até mesmo poderiam comunicar-se conosco, falando normalmente. O que muitos de nós não sabem, entretanto, é que a idéia de se criar algo parecido com “máquinas pensantes” ou uma inteligência artifi cial paralela à nossa é hoje um projeto no qual trabalham cientistas de várias partes do mu ndo. Esses cientistas trabalham em várias áreas do conhecimento humano: lingüística, p sicologia, filosofia, ciência da computação etc. O que os reúne é, entretanto uma ca racterística comum: a idéia de que é possível criar “máquinas pensantes” e que o caminho para isso é o estudo e a elaboração de sofisticados programas de computador.
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2 Para os pesquisadores da Inteligência Artificial (q ue daqui por diante abreviaremos IA) a mente humana funciona como um computador, e p or isso o estudo dos programas computacionais é a chave para se compreender alguma coisa acerca de nossas atividades mentais. Podemos construir programas que imitem nos sa capacidade de raciocinar, de perceber o mundo e identificar objetos que estão à nossa volta, e até mesmo de falar e de compreender nossa linguagem. É esta grande novidade da IA, que a distingue de ci ências afins como a cibernética e a computação, englobando-as num projeto muito mais ambicioso: a produção de comportamento inteligente. Tarefas para as quais se requer alguma inteligência já são executadas por algumas máquinas de que dispomos e q ue utilizamos para telefonar ou mesmo para lavar roupa. Contudo, esse tipo de máqui nas não tem interesse para a IA de que falaremos aqui, cuja preocupação é não só alivi ar o trabalho humano, mas também desvendar alguma coisa acerca da natureza da nossa mente. Para isso é preciso que essas máquinas realizem tarefas que requerem inteligência, e de uma maneira muito similar e próxima do modo como nós, seres humanos, as realiza mos. Assim, por exemplo, não basta simplesmente projetar e criar uma máquina de calcular (como nós a temos e usamos todos os dias, carregando-a no bolso) para dizermos que estamos fazendo IA. É preciso que essa máquina imite nossa atividade mental quando estamos fazendo uma operação aritmética. Claro que esta imitação não poderá ser absolutament e perfeita. Afinal, somos construídos de matéria viva e até agora ainda não p udemos construir um mecanismo totalmente semelhante ao nosso cérebro, com suas cé lulas e as ligações nervosas que existem entre elas. Mas, assim como existem mecanis mos que imitam nossa capacidade de andar, como por exemplo, o automóvel, da mesma mane ira o teórico da IA propõe-se a criar mecanismos que, embora não sejam idênticos a nós, possam imitar nossas atividades mentais. A imitação que se pode obter é, portanto, apenas aproximada, e é por isso que em IA fala-se da elaboração de programas de computador que são modelos de nossa capacidade de raciocinar, de enxergar, de falar etc. A IA como projeto efetivo só se tornou possível apó s o aparecimento dos computadores modernos, ou seja, após a Segunda Guer ra Mundial (de 1945 em diante). Até
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3 então havia dificuldades técnicas que precisavam se r superadas para que o projeto dessas máquinas mais modernas pudesse sair do papel. Quando apareceu pela primeira vez uma máquina dita “pensante”-uma máquina dotada de um programa que demonstrava automaticamen te teoremas de matemática-, o impacto sobre as ciências do homem foi tremendo. Su bitamente a comunidade científica percebeu que uma verdadeira revolução havia se inic iado. Uma revolução com profundas influências na psicologia, na lingüística e na filo sofia. A ciência da computação deixava de ser uma disciplina puramente técnica, e suas realiz ações passaram a estender-se para outros campos. A idéia de estudar a mente humana à semelha nça de um programa de computador parecia despontar como uma nova etapa para as ciênc ias humanas. Para a psicologia, a IA trouxe uma revolução, na me dida em que o novo modelo apontava para uma alternativa à turbulência teórica que os psicólogos estavam atravessando. Havia muita discussão sobre a própria natureza do estudo a que se propunham os cientistas dessa área: se o seu estudo devia apenas se concentrar no comportamento dos organismos, ou se a psicologia de veria ser um estudo de nossas atividades mentais mediante um auto-exame, através do qual fecharíamos os olhos e tentaríamos perscrutar o que se passa em nossa cabe ça quando raciocinamos. Ambas possibilidades deixavam muito a desejar. Para a lingüística, a IA significava uma revolução: agora seria possível criar um programa de computador onde estivessem representada s as estruturas gramaticais das diversas línguas humanas. Se isto pudesse ser feito, um sonho muito antigo seria realizado: teríamos descoberto a raiz comum de todas as língua s humanas e uma máquina universal de tradução tornar-se-ia possível. Mas foi realmente sobre a filosofia que o impacto d a IA foi maior: criar uma máquina pensante significa desafiar uma velha tradi ção que coloca o homem e sua capacidade racional como algo único e original do u niverso. Mais do que isto, criar uma máquina pensante significa dizer que o pensamento p ode ser recriado artificialmente sem que para isto precisemos de algo como uma “alma” ou outra marca divina. Algumas questões que tradicionalmente atormentaram os filósofos ao longo dos séculos passaram a receber um novo enfoque a partir da IA: por exemplo, o problema das
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4 relações entre a mente e o corpo, que se arrasta há milênios. Durante muitos anos os filósofos discutiram entre si se os nossos estados mentais (raciocínio, sonhos, imagens mentais etc. ) seriam apenas manifestações de nossa atividade cerebral (materialismo) ou se eles não seriam reveladores da existência de algo i material como, por exemplo, uma alma imortal (dualismo). A IA oferece uma nova perspecti va para situarmos este problema para além das soluções existentes, que pendem seja para o materialismo seja para o dualismo. A recepção dada pelos filósofos ao novo modelo da m ente humana proposta pela IA foi, entretanto, muito ambígua. Alguns filósofos vi ram na IA uma alternativa para a filosofia tradicional, que deixaria de ser apenas u m conjunto de discussões acadêmicas às vezes consideradas estéreis e inconclusivas. As pro postas filosóficas poderiam agora ser testadas em laboratórios, criando-se modelos comput acionais para nossa maneira de raciocinar, de perceber o mundo e de formar pensame ntos e idéias a partir dos objetos que estão à nossa volta. Esta seria a verdadeira filoso fia “experimental” que muitos filósofos do passado gostariam de ter visto. Outros filósofos, contudo, reagiram com a mesma ind ignação que parece ter sido experimentada pelo teólogo medieval em visita ao pa lácio real. Reduzir o ser humano e o pensamento às atividades de uma máquina seria uma p roposta no mínimo ultrajante. Se o pensamento humano pode ou não ser mecanizado, como pretendem os teóricos da IA, é uma questão que ainda permanece em aberto. Tudo dependerá ainda de realizações futuras e de algum tipo de consenso a que os filóso fos ainda hesitam em chegar. Para se ter uma noção mais precisa do que a IA propõe como prog rama de pesquisa, é preciso saber um pouco de sua história, de suas realizações até a gora, e saber, em linhas gerais, como funciona um computador, o que para muitos é ainda u m mistério. É também a estes temas que dedico os capítulos a seguir. UM POUCO DE HISTÓRIA. E DE ESTÓRIA
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5 Fazer uma história precisa do desenvolvimento da IA não é tarefa fácil. Isto porque, embora seu aparecimento como disciplina científica só tenha ocorrido a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a idéia de construir um a máquina pensante ou uma criatura artificial que imitasse as habilidades humanas é mu ito antiga. Os primeiros registros de criaturas artificiais com habilidades humanas têm u ma forma mítica ou por vezes lendária, tornando difícil uma separação nítida entre imagina ção e realidade. A idéia é de fato muito antiga, mas as condições técnicas para a sua realiz ação são coisa recente. É esta confusão entre mito e realidade e, por vezes, a impossibilid ade de distinguí-los que faz com que a IA possa ser considerada uma disciplina com um extenso passado, mas com uma história relativamente curta. Um dos episódios mais interessantes do passado míti co da Ia é a lenda do Golém. Joseph Golém era um homem artificial que teria sido criado no fim do século XVI por um rabino de Praga, na Tchecoslováquia, que resolvera construir uma criatura inteligente, capaz de espionar os inimigos dos judeus-então co nfinados no gueto de Praga. O Golém era de fato um ser inteligente, mas que um dia se r evoltou contra seu criador, o qual então lhe tirou a inteligência e o devolveu ao mundo do i nanimado. Alguns registros mais recentes mostram que nos sécu los XVII e XVIII proliferam mais mitos e lendas acerca de criaturas artificiais. Fala-se de um flautista mecânico que teria sido capaz de tocar seu instrumento com grand e perfeição, e que teria sido construído lá pelos fins do século XVII. Há registros também d o célebre “pato de Vaucanson”, que teria sido construído por um artífice homônimo. A g rande novidade dessa criatura teria sido sua capacidade de bater as asas, andar, grasnar, co mer grãos e expeli-los após a digestão- uma perfeita imitação das funções biológicas. A existência passada dessas criaturas artificiais a té hoje não está definitivamente comprovada. Sabe-se apenas que seus projetos estão registrados em alguns museus da Europa e que sua arquitetura interna teria sido ext remamente complexa. Os séculos XVII e XVIII conheceram também pela prim eira vez uma preocupação filosófica com algumas implicações teóricas envolvi das na construção dos primeiros autômatos de que se tem notícia. Descartes (1596-16 50), filósofo racionalista do século XVII e oficialmente considerado o criador da filoso fia moderna, expressou este tipo de
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6 preocupação em várias passagens de sua obra, argume ntando que os autômatos, por mais bem construídos que fossem, jamais se igualariam ao s seres humanos em termos de suas habilidades mentais. Isto porque os autômatos nunca viriam a ter uma alma imortal, igual à nossa, que lhes permitisse agir livremente e encade ar sentenças de modo a expressar pensamentos como nós, humanos, o fazemos. Mesmo que se construísse um autômato com cordas voc ais e boca semelhantes às de um ser humano, ele jamais seria capaz de falar. No máximo, seria um repetidor de palavras, como um papagaio, mas isso não significa falar: sig nifica apenas pronunciar palavras de uma maneira vazia, pois atrás destas não haveria pe nsamentos. Esse tipo de argumento formulado por Descartes foi ressuscitado por um fil ósofo norte-americano contemporâneo, John Searle, na forma de uma forte objeção às prete nsões da IA. Descartes não foi o único a se preocupar com os pro blemas filosóficos envolvidos na construção de autômatos e com a discussão de sua s possíveis habilidades mentais. Um século depois outro filósofo francês, La Mettrie (1 709-1751), escreveu um livro criticando os pontos de vista de Descartes. Ele sustentava uma posição oposta à de Descartes, argumentando em favor da idéia de que o pensamento não é o resultado da atividade de uma alma imortal e imaterial que teríamos dentro de nós. As faculdades de pensar e de falar, dizia La Mettrie, aparecem naquelas criatura s que têm um organismo mais complexo, com um cérebro mais desenvolvido. Se os animais ou os autômatos ainda não desenvolveram essas faculdades, isso se deve apenas a imperfeições fisiológicas ou mecânicas dessas criaturas, cujos organismos ou mec anismos têm um grau de complexidade inferior ao nosso. La Mettrie defendeu suas idéias com grande paixão, e quando hoje em dia lemos sua obra, que infelizmente ainda não foi traduzida para o português, temos a impressão de estarmos diante de um verdadeiro manifesto em favor da IA. Nos seus trabalhos, este autor declara, entusiasticamente, que da mesma maneira qu e a humanidade teve, no começo dos tempos, um herói grego como Prometeu, que roubou o fogo dos deuses para dá-lo aos homens, um dia teríamos um segundo Prometeu que con struiria um homem mecânico capaz de falar. O século XIX não foi muito fértil no que diz respei to a discussões filosóficas acerca
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7 das habilidades e possibilidades dos autômatos. Tud o se passou como se momentaneamente o assunto tivesse sido esquecido e as preocupações tivessem se voltado para outros temas que então inquietavam a humanidade: a questão socia l e o agigantamento do industrialismo, que parecia prometer uma completa modificação na im agem do mundo. Foi somente na literatura-e na literatura do movi mento romântico-que o tema do surgimento de criaturas artificiais parece ter sido lembrado. Nessa época é publicado o famoso romance Frankenstein, que explora o mito de um ser criado a partir de mem bros e órgãos de outras criaturas artificialmente reunidos. O sopro vital era substituído por um choque elétrico que fez com que a criatura adquiris se vida. Mas Frankenstein era um monstro. Um monstro que logo em seguida se revoltou contra seu criador. Mas se o século XIX não produziu uma literatura ond e o tema dos autômatos aparecia de forma explícita, nem por isso se pode d izer que nele faltaram descobertas que mais tarde seriam úteis para a IA. Invenções matemá ticas e avanços tecnológicos, resultantes da descoberta da eletricidade, foram re gistrados-avanços que propiciariam, mais tarde, a construção dos modernos computadores. A IA só aparecerá no século XX, e num contexto bem diferente do que poderíamos ter imaginado. O advento da Segunda Guerra Mundial trouxe pressões decisivas para a comunidade científica dos países aliados. Os bombar deios aéreos feitos pelos nazistas sobre as cidades européias pressionaram o desenvolvimento de canhões anti-aéreos dotados de um sistema de pontaria que corrigisse os eventuais desvios causados pelo deslocamento do alvo e do próprio canhão no momento do disparo. Ess e tipo de mecanismo de autocorreção começou a ser visto como uma incipiente imitação de um comportamento humano. Para um observador leigo, tudo se passava como se o comport amento do canhão, ao perseguir seu alvo com precisão, estivesse sendo guiado por propó sitos ou intenções semelhantes ao do ser humano. Paralelamente a estes desenvolvimentos na indústria bélica, o surgimento dos campos de concentração abriu uma nova possibilidade : a realização de experimentos e estudos do cérebro em seres humanos. Esses estudos eram feitos não só com cobaias humanas (prisioneiros de guerra) como também com so ldados que tivessem sofrido lesões cerebrais durante os combates. Através desses estud os alguns cientistas tentavam aprender
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8 alguma coisa acerca dos princípios gerais do funcio namento do cérebro. Isso incluía a localização das áreas cerebrais responsáveis pelas diversas atividades humanas. Assim, por exemplo, para se tentar localizar a área cerebral q ue corresponderia à função da fala, removiam-se sucessivamente partes do cérebro do pac iente, até que este se visse impossibilitado de falar. No fim da Segunda Guerra Mundial, os cientistas já tinham registrado importantes invenções na área eletrônica, além de pesquisas sob re mecanismos que imitavam ações humanas e estudos sobre cérebro humano desenvolvido s por médicos e por psicólogos. Isso os levou a programarem um encontro nos Estados Unid os, onde pesquisadores dessas áreas apresentavam suas descobertas, numa primeira tentat iva de reuni-las e compor algo parecido com uma ciência geral do funcionamento da mente humana. Esse encontro ficou conhecido como o Simpósio de Hixon, e aconteceu em 1948. Quando os cientistas se reuniram no Simpósio de Hix on, já sabiam que a construção de um computador eletrônico tinha se tornado uma realidad e. Naquela época, os escritos do matemático inglês Alan Turing, que continham os pri ncípios de funcionalidade dos computadores modernos, começavam a sair nas revista s especializadas. Alan Turing era um jovem preocupado com questões matemáticas, cuja ado lescência havia sido marcada pelo interesse por problemas filosóficos, como, por exem plo, as relações entre a alma e o corpo e a reencarnação. Quando se dedicou ao estudo de ce rtas questões matemáticas, ele provavelmente não sabia que suas descobertas tornar iam possível a construção dos computadores modernos. Ele descobriu o princípio fu ndamental do funcionamento dessas máquinas-um princípio que até hoje norteia a cons trução de computadores, por mais sofisticados que sejam. Os resultados do Simpósio de Hixon não teriam sido tão surpreendentes se não levassem, através de uma intuição verdadeiramente c riadora, a se estabelecer uma analogia entre o cérebro humano e os computadores. Essa anal ogia certamente foi produto do encontro entre psicólogos, neurofisiólogos e engenh eiros eletrônicos que perceberam que o modo como estão dispostas as células do nosso céreb ro (neurônios), ligadas através de fios nervosos minúsculos, é semelhante ao circuito elétr ico de um computador eletrônico. Estava aberto o caminho para se dizer que a mente h umana pode ser imitada por um
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9 computador. Com isto nascia a nova disciplina, a In teligência Artificial. As décadas seguintes foram marcadas por novas inven ções e descobertas surpreendentes. Na década de 50, dois cientistas am ericanos desenvolveram um programa de computador capaz de demonstrar automaticamente t eoremas matemáticos. Esse programa foi chamado de “O Teórico da Lógica”, e su a inovação estava no fato de ele poder realmente gerar demonstrações de teoremas, e não simplesmente apresentá-las através de um artifício de memória. Os dois cientis tas norte americanos estavam realmente convencidos de que sua máquina era uma autêntica si mulação do modo como os seres humanos resolvem seus problemas matemáticos, e escr everam vários artigos a esse respeito. Mas a maior novidade ainda estava por vir. No final da década de 60, aparece um programa de computador capaz de imitar um psicanali sta. Esse psicanalista mecânico, que foi chamado “DOCTOR”, era na verdade uma variação d e um outro programa batizado de “ELIZA”. ELIZA foi um programa originalmente desenv olvido para simular diálogos e conversas. O programa analisava as frases e devolvi a as respostas utilizando a máquina de escrever. O princípio de funcionamento desse tipo de programa era simples: a sentença enviada pelo parceiro humano era decomposta, e suas partes enviadas para um script armazenado no interior do computador. O script era um conjunto de regras semelhantes àquelas que são dadas para um ator quando se requer que ele improvise acerca de um tema qualquer. ELIZA podia receber vários tipos de script, e, dependendo do conteúdo destes, desenvolver conversas acerca de vários temas. Quando Eliza trabalhava com um script especial chamado Doctor, ele se transformava num psicanalista mecânico. O script era cuidadosamente elaborado para que as respostas simulassem o comportamento verbal de u m psicanalista ao receber um paciente pela primeira vez. Muitas pessoas, na época, chegaram a afirmar que EL IZA era apenas um truque de memória, e que suas respostas sempre obedeciam a pa drões preestabelecidos. Se ELIZA é ou não um autêntico psicanalista artificial é uma q uestão que pode ser discutida. Qualquer que seja a conclusão, uma coisa porém é certa: Eliz a é uma imitação muito convincente do
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10 comportamento verbal de um psicanalista humano. Por volta de 1970 foi inventado, no Massachussetts Institute of Technology (o famoso MIT), nos Estados Unidos, um sistema chamado “SHRDLU”. O Shrdlu simulava uma espécie de robô fechado num ambiente artificial onde estavam colocados blocos de madeira coloridos, do tipo dos usados em jogos infa ntis. O Shrdlu era capaz de obedecer a instruções e falar sobre a posição dos blocos que m ovia e de seus “braços”. Essas realizações trouxeram a consolidação da IA co mo disciplina científica. A partir delas, o entusiasmo por imitar as atividades da mente humana tem crescido cada vez mais. As pesquisas hoje em dia concentram-se em vár ias áreas: a tradução automática, a criação de máquinas capazes de perceber e identific ar objetos que estão à sua volta, o aperfeiçoamento de programas para jogar xadrez ou d amas e assim por diante. Uma pesquisa que tem atraído muito a atenção dos cienti stas é a criação de uma máquina que reconheça vozes humanas. Quando essa máquina for cr iada, teremos a possibilidade de dispensar os teclados, e passaremos a nos comunicar com os computadores simplesmente falando. Mas isso ainda requer um progresso técnico muito grande. Atualmente só podemos nos comunicar com os computadores usando o teclado e em linguagens especiais: as linguagens nas quais são escritos os programas, mui to diferentes da linguagem que falamos normalmente. As realizações da IA não deixaram de chamar a atenç ão dos filósofos, que perceberam que muitos de seus conceitos e idéias te riam de ser revistos. Os progressos da IA tiveram um impacto muito grande nas concepções h abituais que temos da mente humana, e esse fato foi imediatamente notado por aq ueles que tem preocupações filosóficas e religiosas. Mas antes de expor as implicações fil osóficas da IA, falarei um pouco dos princípios que norteiam a construção dessas máquina s e de onde vem seu extraordinário poder, que faz com que elas cada vez mais participe m da nossa vida. A INVENÇÃO DE TURING
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11 Para muitas pessoas o computador é ainda uma máquin a misteriosa e às vezes assustadora. Quando olhamos para um microcomputador e deparamos com sua tela, seu teclado, e sua impressora, temos às vezes a sensaçã o de estarmos diante de uma máquina mágica. Mesmo a grande maioria daqueles que o utili zam para realizar operações complexas muitas vezes não sabe o que ocorre dentro dessas máquinas. A situação é semelhante à de um motorista que dirige um carro se m, entretanto saber os princípios de funcionamento do motor. O princípio de funcionamento dos computadores é rel ativamente simples, mas foram precisos anos para que se pudesse descobri-lo. Essa descoberta deveu-se a Alan Turing (1912-1954), um matemático inglês que, apesa r de ter sido brilhante na sua época, teve uma vida particularmente atribulada: não perte ncia à aristocracia da Inglaterra, o que lhe criava dificuldades em certos meios acadêmicos, e., ademais, era homossexual, o que escandalizava a sociedade britânica. Embora tenha m orrido prematuramente (ele se suicidou, provavelmente por motivos que tinham a ve r com sua homossexualidade), Turing deixou uma vasta produção de trabalhos e invenções matemáticas. Foi na tentativa de resolver um problema matemático muito complexo que estava sendo discutido na década de 30 que ele criou a cha mada máquina de Turing. Para termos uma idéia do que seja uma máquina de Turing basta q ue imaginemos uma longa fita de papel com símbolos e marcas a intervalos regulares, formando pequenos quadrados. Imaginemos agora que podemos estipular uma espécie de marcador ou um ponto fixo em relação ao qual pudéssemos mover a fita de papel pa ra a esquerda ou para a direita. A situação de que falamos pode ser representada assim : S1 E2 s2 D1 s3 R s4 A s5 | fig. 1 marcador Suponhamos agora que o nosso marcador tenha també m um dispositivo que permita
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12 reconhecer se num determinado quadrado há um símbol o ou ainda não, imprimir e apagar símbolos que aparecem na fita e ainda movê-la para a esquerda ou para a direita, dependendo do símbolo que aparece impresso. Na fita que aparece na figura, os quadrados têm dois tipos de símbolos: letras minúsculas e let ras maiúsculas. Mover a fita para a esquerda ou para a direita (e num número determinad o de quadrados) dependerá do símbolo em maiúsculas e é identificado pelo marcado r. Além de mover a fita em determinadas direções, o símbolo em maiúsculas pode significar que o marcador deve imprimir ou apagar um símbolo num certo quadrado. Em outras palavras, os símbolos A, B, C, D, E etc. representam as instruções que devem ser seguidas pela máquina, movendo a fita ou apagando os outros símbolos s1, s2, s3 etc. No caso da fita que representamos na figura anterior, podemos convencionar que os símbolos E e D significam mover a fita para a esque rda ou para a direita, e que o número que está junto de E ou de D representa o número de casas que se quer que fita mova, seja numa direção ou outra. R significa “imprima o símbo lo em minúsculas que está ao lado”, A significa “apague”, e assim por diante. Vamos agora fazer uma outra suposição: a de que alg uém queira usar uma máquina deste tipo para efetuar uma operação aritmética simples, como, por exemplo, uma soma. Para que isto possa ser feito, cada número terá de ser repre sentado por uma sucessão de I, ocupando cada um deles um quadrado. Assim, o número 2 será r epresentado por dois quadrados, sendo que em cada um deles deve figurar o símbolo I. O número 3 ocupará três quadrados, cada um com o símbolo I, e assim por diante. Na nos sa máquina isto aparecerá assim: I I + I I I | fig. 2 marcador Que tipo de instruções teremos de dar à máquina par a que ela efetue a operação
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13 2+3, isto é, para que ela venha a representar o núm ero 5? Para isto temos de fazer com que ela obedeça às seguintes instruções: a) Apague o sinal +. b) Imprima o sinal I na mesma casa. c) Mova a fita duas casas para a esquerda do marcador, isto é, puxe a fita duas casas para a direita. d) Apague o símbolo I. Quando efetuamos a última operação, a fita estará a ssim: I I I I I | fig. 3 marcador e isto corresponde à representação do número 5, ist o é, à soma desejada. É desta maneira que a máquina de Turing procede para efetuar uma so ma. Que novidade há nisto? Aparentemente nenhuma. Ao contrário, parece que con seguimos complicar um processo simples, cotidiano. Contudo, as coisas não são bem assim. O que Turing inovou com a invenção de sua máquina foi à descoberta de uma espécie de princípi o geral para a construção de computadores. Este princípio geral tem como ponto de partida a no ção matemática de procedimento efetivo. As instruções que damos para a máquina têm de ser executadas passo a passo, formando uma sucessão. Cada vez que uma in strução é executada, a máquina passa de um estado para outro. A mudança de um estado par a outro corresponde a uma mudança de configuração. Para se mudar de uma configuração para outra existem certas instruções (como, por exemplo, no nosso caso: mova a fita para a direita, apague um símbolo etc. ) que
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14 estabelecem exatamente aquilo que deve ser feito. Quando existe esse tipo de receita que diz exatamen te o que deve ser feito para se passar de um estado para outro num processo, temos um procedimento efetivo, ou seja, um conjunto finito de instruções não ambíguas que nos dizem o que fazer passo a passo, e que nos garantem a obtenção de um resultado no final. Ora, a descoberta de Turing consiste no fato de ele ter demonstrado, através da invenção de sua máquina, que toda e qualquer tarefa que possa ser representada na forma de um procedimento efetivo pode ser mecanizada, ou seja, pode ser realizada por um computador. Com sua invenção ele demonstrou ademais, que todo e qualquer tipo de computador pode, em última análise, ser reduzido a uma máquina de Turing, pois, embora os computadores possam diferir entre si quanto à su a finalidade e até mesmo ao material de que são compostos, eles podem ser imitados por sua máquina. E isso sem dúvida torna a máquina de Turing um verdadeiro princípio universal. A máquina de Turing que descrevemos há pouco e que faz adições pode ser vista como uma imitação das várias maquinas de calcular d e que dispomos. Na fita podemos representar os números (cada unidade será um quadra do com um símbolo), e há procedimentos efetivos para realizar operações arit méticas, ou seja, as operações aritméticas podem ser descritas através de um conju nto preciso de instruções: puxe a fita para a direita, para a esquerda etc. Podemos dizer que nesta máquina rudimentar a fita c ontém uma representação dos números, e que o conjunto de instruções corresponde ao programa da máquina, da mesma maneira que dizemos que os computadores têm um prog rama. Se temos uma máquina que efetua adições e subtrações (uma maneira de imagina r a subtração seria pelo processo de apagar uma certa quantidade de símbolos da fita), p odemos dizer que em princípio, nossa máquina será capaz de efetuar qualquer operação ari tmética. Pois afinal, o que são multiplicações senão repetições de somas, e divisõe s a repetição de subtração? Dividir 16 por 4 significa quantas vezes o número 4 pode ser s ubtraído de 16. Claro que no caso da nossa máquina com fita e marcador, o programa ficar ia bastante complicado, e se os números fossem grandes, a fita teria de ser extraor dinariamente longa. Máquinas de calcular constituem um grande e primeir o passo para mecanizar parte
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15 de nossas atividades mentais. Claro que máquinas de calcular já existiam antes da invenção da máquina de Turing. Mas o que torna a invenção de Turing realmente interessante é a possibilidade de mecanizar tarefas executadas pela nossa mente, desde que elas possam se representadas por símbolos e na forma de procedimen tos efetivos. Imaginemos agora que em vez de trabalharmos com uma máquina rudimentar, com fita e marcador, tenhamos uma máquina bem mais sofi sticada, mas cujo princípio seja o mesmo de uma máquina de Turing. Uma das diferenças seria que em vez de termos uma fita onde os quadrados teriam vários símbolos, terí amos apenas dois símbolos básicos, 0 e 1. Representar números e instruções na fita desse t ipo de máquina se torna muito mais complicado: é preciso usar uma série de artifícios quando se dispõe de apenas dois símbolos. Mas certamente há aqui uma vantagem: se o s símbolos a serem utilizados são apenas 0 e 1, podemos traçar uma correspondência en tre estes e um circuito elétrico, com uma série de interruptores do tipo daqueles que usa mos para apagar ou acender a luz de uma sala. Nesses interruptores só há dois estados possíveis: quando eles estão ligados, passa a corrente, acende-se a lâmpada. Quando estão desliga dos a situação é inversa: não passa a corrente, a lâmpada fica apagada. Tudo se passa com o se pudéssemos imaginar que estes estados de cada interruptor correspondessem aos sím bolos que estão nos quadrados da nossa fita de papel: 0 quando não passa corrente, e 1 quando a corrente passa. Ora, é exatamente este princípio que nos permite ch egar a algo como uma representação elétrica do pensamento. Nossa máquina mais sofisticada não terá fita, mas um complexo circuito com interruptores. Em vez de s er operada por um movimento da fita de um lado para outro que apaga ou imprime símbolos, ela terá uma forma mais sofisticada de transmitir as instruções desejadas. Poderemos ta mbém conceber um tipo de “marcador” mais sofisticado. Tudo isso pode ser feito hoje em dia ocupando-se em espaço cada vez menor: os progressos da eletrônica permitem a const rução de circuitos cada vez mais complexos e mais minúsculos. Foram estes progressos que permitiram reduzir tanto o tamanho dos circuitos e das máquinas que hoje em di a uma calculadora é tão pequena quanto um relógio de pulso. Mas o que dissemos até agora serve apenas para most rar como uma pequena parte
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16 de nossas atividades mentais-aquelas relacionadas com operações aritméticas ou matemáticas-pode ser mecanizada. Mas e quanto ao resto de nossos pensamentos? Nem todas as nossas atividades mentais são dirigidas pa ra realizar operações com números, e é precisamente a possibilidade de se mecanizar este o utro tipo de atividades que constitui a grande novidade introduzida pelos computadores mode rnos-que nada mais são do que complexas máquinas de Turing que operam apenas com os símbolos 0 e 1. E como podemos representar outros tipos de pensamen tos além de números usando apenas os símbolos 0 e1? Para isto os pesquisadores da IA e aqueles que começaram a construir computadores mais sofisticados precisaram, inicialmente, usar um artifício. O ponto de partida de tudo é a idéia de que nossos pe nsamentos são expressos em linguagem -não apenas em linguagem falada, mas em linguagem escrita. Ora a linguagem escrita nada mais é do que um sistema de símbolos construíd o a partir dos elementos básicos que compõem nosso alfabeto. O que precisamos então é ar ranjar um meio de representar todas as letras do alfabeto em termos de 0 e 1. Sabemos que a totalidade das letras do alfabeto que usamos mais os outros caracteres normalmente empregados por nós, tais com o números, vírgulas, pontos, espaço entre palavras, sinais de adição, subtração, multip licação etc. totalizam 256 caracteres. Se se acha este número muito grande, basta dar uma olh ada no teclado de uma máquina de escrever elétrica para se ver que na realidade usam os muito mais caracteres para expressar informação do que as letras do alfabeto. Com estes caracteres podemos expressar praticamente todo e qualquer pensamento, contar his tória da Revolução Francesa, a história da filosofia, realizar operações matemáticas e até escrever um livro sobre IA. Vamos agora supor que temos um baralho com 256 cart as e que em cada uma delas está impresso um dos 256 caracteres de que falamos. Alguém seleciona uma carta ao acaso e a entrega para mim, virada com a face impressa pa ra baixo, de maneira que eu não possa ver o caractere que está impresso nela. Essa pessoa pede que eu diga qual é a caractere que está impresso na carta. Uma maneira de adivinhar o caractere é pegar a list a com os 256 caracteres e ir perguntando, um por um, até eu saber qual é aquele que está na carta. Ora, este é um método muito trabalhoso e demorado, pois corremos o risco de ter que repetir a mesma
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17 questão 256 vezes. Mas certamente existe uma outra saída para este pro blema: em vez de fazer 256 perguntas, posso começar perguntando: está o caract ere da carta na primeira metade da lista? Qualquer que seja a resposta, teremos dividi do a lista em duas partes com 128 caracteres cada uma-e numa dessas metades o carac tere terá de estar. Tendo isolado uma das metades da lista onde o caractere em questão se encontra, posso repetir a estratégia mais de uma vez e dividir os 128 caracteres em duas metades de 64. Repito a questão e isolo uma lista com 64 caracteres. O processo deve ser repetido sucessivamente até que tenhamos um lista com apenas 2 caracteres e o carac tere a ser identificado será necessariamente um deles. É fácil ver que com esta estratégia reduzi o número de perguntas a apenas 8, pois partindo de 256 caracteres, para s e chegar a apenas 2 é preciso dividir a lista inicial oito vezes: na primeira vez obtivemos duas sublistas de 128 caracteres, na segunda vez duas sublistas de 64 caracteres, até qu e na oitava vez restarão apenas dois caracteres. Foi utilizando esta estratégia que os pesquisadores da IA tornaram possível a representação de letras de nosso alfabeto e de outr os caracteres que usamos para expressar informação em termos de apenas dois símbolos, 0 e 1. Se quisermos que isto seja feito pelo próprio computador, temos de fornecer-lhe a lista c om os 256 caracteres e instruções para identificar um caractere qualquer, por exemplo, a l etra a, dividindo a lista em metades e metades de metades. Quando o caractere não se encon tra na primeira metade da lista dos 256 isto é representado por um 0. Caso contrário, e le será representado por 1. Após a repetição do processo por oito vezes sucessivas, te remos uma seqüência de oito 0 e 1. A letra a, por exemplo, é representada neste processo por 01 00001. Mas a seqüência de 0 e 1 que correspondem a uma letra precisam, por sua vez, ser combinadas com outras seqüências de 0 e 1 para formar palavras, o que nos dá uma seqüência ainda maior. A representação de uma sentença no computador pode co nstruir uma seqüência extraordinariamente longa de 0 e 1. A transformação de palavras e sentenças em seqüênci as de 0 e 1 significa que uma representação elétrica de pensamentos, em termos de circuitos com interruptores abertos ou fechados, tornou-se possível. Isto ficou ainda mais fascinante quando se passou a projetar
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18 circuitos capazes de representar as várias maneiras através das quais podemos combinar sentenças-o que equivale a ter representações elé tricas de algumas de nossas formas básicas de raciocinar. Quando raciocinamos, o que passa pela nossa cabeça são proposições diversas. Uma proposição é um pensamento expresso nessa sentença. Por exemplo, quando dizemos “A tarde está bela”, isto é um pensamento expresso nes sa sentença. Uma proposição tem sempre uma característica específica: ela só pode s er verdadeira ou falsa. No caso da proposição “A tarde está bela”, temos meios de deci dir se ela é verdadeira ou falsa: Podemos olhar pela janela ou mesmo ir dar um passei o. Raciocinar é formular proposições e encadeá-las. O modo de encadear proposições para formar raciocínios corretos tem sido objeto de estudo desde a Antiguidade, quando surgiu uma disciplina com esta finalidade, a lógica. A partir do século passado a lógica conheceu avanços substanciais. Um destes avanços co nstituiu em se estabelecer uma representação simbólica para as proposições. Passou-se a usar as letras A, B, C etc para designar proposições, e logo se fez um estudo das m aneiras passíveis de encadeá-las. Estudos preliminares apontaram para a existência de quatro maneiras básicas de combinar proposições: a conjunção, a disjunção, a i mplicação e a bi-implicação. Podemos também negar uma proposição qualquer, o que neste s istema de representação será feito colocando-se o sinal ~ na sua frente. A negação de A será representada por ~ ª A conjunção de proposições significa ligá-las pela partícula e. A conjunção é simbolizada em lógica pelo sinal ^. Se tivermos duas proposições, A e B, a con junção será representada assim: A^B. Se a proposição A for “O sol está brilhando” e a propo sição B for “A tarde está bela”, A ^ B significará: “O sol está brilhando e a tarde está b ela”. A disjunção significa ligar proposições pela partícula ou. Assim, “O carro está andando ou o carro está para do” é um exemplo de disjunção. A implicação é uma ligação do tipo: “Se está chovendo, então a terra está molhada”. A lógica tratou não apenas do modo como podemos enc adear proposições, como também estabeleceu regras para sabermos quando esta s ligações resultariam em verdades ou em falsidades. Assim, suponhamos, por exemplo, q ue as proposições “O sol está brilhando” e “A tarde está bela” sejam falsas. Nest e caso, a conjunção destas proposições
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19 também será falsa. Se a primeira proposição for fal sa, mas a segunda for verdadeira, a conjunção será falsa. Todas as possíveis combinaçõe s para todos os tipos de proposições são previstas pela lógica. As combinações são agrup adas de acordo com o tipo de ligação entre as proposições, e formam aquilo que chamamos de “tabelas de verdade”. Foi usando este tipo de estratégia que os pesquisad ores da IA encontraram um caminho para construir circuitos que imitam nossa m aneira de raciocinar. Da mesma forma que uma proposição só pode ter dois valores de verd ade possíveis, ou seja, ser verdadeira ou falsa, os interruptores de um circuito também só podem ter duas posições: ou estão abertos (a corrente não passa) ou estão fechados (a corrente passa). É com base nesta analogia que podemos conceber um processo de repres entação elétrica dos raciocínios humanos. O processo se inicia quando o programador coloca no computador as proposições que comporão um determinado raciocínio. Em seguida ele precisará informar ao computador o que se deseja fazer, ou seja, se se qu er ligar as proposições através de uma conjunção, de uma disjunção ou implicação Em outras palavras, é preciso fornecer ao computador as instruções que deverão ser seguidas. A partir do momento em que as instruções são fornecidas, um determinado circuito será acionado. Dependendo do tipo de instrução que é fornecido, o circuito que é acionad o terá interruptores que permanecerão abertos ou fechados com a passagem de corrente elét rica. A construção desses circuitos e o que os interruptores neles fazem quando passa corre nte elétrica obedecerá ao esquema das tabelas de verdade. Assim, por exemplo, se se convencionou que quando e xiste passagem de corrente estamos representando uma proposição verdadeira, um circuito encarregado de fazer a conjunção de duas proposições verdadeiras deve ser construído de modo que a passagem de corrente elétrica faça com que seus interruptores s e fechem e façam a corrente passar, permitindo que uma lâmpada se acenda ou outro sinal se manifeste. Se uma das proposições for falsa, um interruptor permanecerá a berto, a corrente não passará pelo circuito e a lâmpada não se acenderá. Neste caso sa beremos que o resultado da conjunção de proposições não é verdadeiro. Este processo de mecanização dos raciocínios pode s e tornar extremamente
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20 complexo, sobretudo quando se tem várias proposiçõe s e várias maneiras de conectá-las entre si. Neste caso, várias instruções terão de se r fornecidas, e muitos circuitos com interruptores com posições e características difere ntes serão acionados até que se tenha um resultado final. Os computadores modernos contam ainda com uma série de recursos adicionais além dos circuitos de que falamos. Esses recursos i ncluem a memória, que permite à máquina estocar informações (proposições, expressõe s) e retirá-las desse registro sempre que for necessário. Nessas máquinas mais complexas, o fornecimento de instruções pode se tornar uma operação complicada, que deve ser feita em linguagens especiais ou linguagens de programação. Contudo, é preciso assinalar que me smo máquinas mais sofisticadas abedecem ao mesmo princípio de que falamos aqui, ou seja, tudo é processado e reduzido a dois símbolos básicos, 0 e 1, a chamada linguagem d e máquina, que indica fluxo de corrente ou a sua ausência. Isto nos dá uma imagem da quantidade e da complexid ade de operações que são executadas por um computador num intervalo de pouco s segundos. Operações que levaríamos horas para executar podem ser executadas em poucos segundos, embora o modo como são efetuadas seja extremamente complexo. Hoje em dia, em muitas situações, querer competir com a velocidade de um computador seria tã o ridículo como querer apostar corrida com um avião. Mas alguém ainda poderia dizer: sem dúvida, este pr ocesso de mecanização do pensamento tem se revelado eficiente, mas será que é este o modo como a mente opera para podermos dizer que o computador é um autêntico mode lo do funcionamento da mente humana? Se não se puder responder afirmativamente a esta pergunta, não tem sentido falarmos de IA. Em outras palavras, o que se está q uestionando é se este procedimento de mecanização pode ser identificado com nossos proces sos de pensamento, o que nos permite dizer que a afirmação de que máquina pode pensar te m sentido. Alguns teóricos tentaram responder a esta questão a pontando para uma analogia entre os circuitos elétricos de um computador e o m odo de funcionamento de nosso cérebro. Em nosso cérebro existem bilhões de célula s, os neurônios, que estão ligados entre si por minúsculos fios nervosos. Sabemos que em nos so cérebro passam correntes elétricas,
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21 apesar de estas terem uma voltagem baixíssima. Será que o modo como raciocinamos não é idêntico ao modo como o computador o faz? Será que ao raciocinarmos não estão passando correntes elétricas entre os neurônios, que funcion ariam como minúsculos interruptores? Levantar este tipo de questão significa, em outras palavras, perguntar qual é a natureza daquilo que normalmente chamamos de pensar. Indagar o que seja aquilo que chamamos de pensamento pode nos levar a formular ou tras questões ainda mais inquietantes: terá cabimento afirmar que quando um circuito de um computador é acionado e nos fornece o resultado de uma soma, essa máquina está efetivamente pensando? Até que ponto será legítimo afirmar que essas máquinas cons tituem uma autêntica mecanização dos processos mentais humanos? Não seriam os computador es simples imitações ou simples truques que permitem realizar certas operações-má quinas às quais não poderíamos atribuir todas as características e propriedades de um ser humano? Turing parece ter percebido as dificuldades que est e tipo de questão envolve quando escreveu os artigos em que descrevia os princípios de sua máquina. Nesses artigos ele sustentou que não há nenhuma razão para se supor qu e uma máquina não possa pensar. Suas respostas a esse tipo de questão foram por vez es sarcásticas. Ele dizia que mesmo que para se dizer que uma criatura pensa seja preciso q ue esta tenha alma, não há nenhum impedimento para que Deus ponha alma nos computador es e não apenas nos seres humanos. Sustentar que Deus não poderia fazer isto seria o mesmo que querer limitar seus poderes. Deus dá almas a quem ele quiser. Mas alguém ainda poderia dizer que mesmo que aceitá ssemos essas afirmações de Turing-de que as máquinas pensam-poderíamos ain da colocar as seguintes questões: Como saberíamos se uma máquina pensa ou não? Não é o pensar um processo invisível? Que critérios devemos utilizar para podermos afirma r que uma máquina pensa ou não? Turing respondeu a estas perguntas da seguinte mane ira: suponhamos que construíssemos uma máquina e a disfarçássemos tão b em que ela tivesse a aparência de um ser humano. Suponhamos também que ao observar o com portamento desta máquina, constatássemos que ela faz tudo o que um ser humano faz-respondendo a perguntas, fazendo operações aritméticas etc.-e que não tivé ssemos meios de distinguir entre o comportamento desta máquina e o de um ser humano qu alquer. Neste caso, pergunta
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22 Turing, haveria alguma razão para não supor que est a máquina pensa, da mesma maneira que nós, seres humanos, o fazemos? Afinal de contas, qual o critério que usamos habitualmente para supor que nossos semelhantes pen sam, a não ser a observação de seu comportamento e suas reações cotidianas? E, mesmo q ue uma máquina tão perfeita ainda não tenha sido construída hoje em dia, o que impede que no futuro nossa tecnologia avance tanto que ela se torne possível? Não se dizia no sé culo passado que o homem jamais seria capaz de ir à Lua? As afirmações de Turing geraram muitas polêmicas na sua época, principalmente entre os filósofos. Mas mesmo aqueles que discordar am de Turing, por achar que o jovem matemático inglês estava querendo humilhar a espéci e humana ao sugerir que o pensamento não é um privilégio dado a nós pelo Cria dor, reconheceram mais tarde que a IA traz importantes contribuições para a filosofia. Me smo que a mente humana não possa ser retratada numa máquina, o surgimento dos computador es abre novas perspectivas para a compreensão de nossas próprias atividades mentais, e traz sugestões interessantes para reavaliar a natureza de problemas filosóficos tradi cionais. INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E FILOSOFIA Uma vez um célebre professor de filosofia australia no foi à Universidade de Londres fazer uma palestra. O tema da palestra era “A identidade mente-cérebro”. Depois de discorrer sobre o tema durante mais de uma hora, tentando defender sua teoria de que mente e cérebro são a mesma coisa, um estudante erg ueu o braço e fez a seguinte pergunta: “Mas, professor, se mente e cérebro são a mesma coi sa, e se sabemos que quase 50 por cento do cérebro é composto de água, então o senhor quer dizer que muitos de nossos pensamentos nada mais são do que água? E se assim f or, por que a água que está no cérebro 'pensa' e a água que está no corpo 'não pensa'?” O célebre professor não perdeu a seriedade. Alisou a gravata, olhou para o teto, refletiu alguns segundos e respondeu: “E como você sabe que a água que está no corpo não pensa?”.
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23 Alguém poderia dizer: mas que conversa de doidos! M as nem tanto. Quando começamos a refletir sobre essa questão-as relaçõ es entre pensamento e cérebro- facilmente chegamos a paradoxos. E logo percebemos que sabemos muito pouco acerca da natureza do pensamento e do cérebro. Uma coisa, porém, é certa: este tipo de questão par ece atormentar muito as pessoas até hoje. Será que existe algo como uma alma ou esp írito-algo imaterial e invisível de onde se originam nossos pensamentos-ou será que t udo é matéria? Quando falamos de algo como espírito, normalmente associamos esta noç ão a alguma idéia de imortalidade, de duração eterna. Por outro lado, quando falamos de m atéria, parece que estamos lidando com alguma coisa visível, sólida, mas efêmera. É este tipo de oposição que parece ter dividido as opiniões dos filósofos desde o século XVII. Nesta época, Descartes chegara à concl usão de que mente e corpo são coisas inteiramente distintas, ou seja, duas substância co m características e propriedades diferentes. Esta doutrina foi chamada de dualismo. Embora estejamos acostumados com a visão de que cor po e mente sejam coisas separadas e ainda sejamos educados de acordo com es ta tradição, as coisas não são tão simples assim. Há muitas dúvidas acerca disso. Se a mente é imaterial e se pensamentos não são coisas, como podemos falar de uma localizaç ão dos pensamentos no espaço? Parece intuitivo supor que somente objetos têm uma localização no espaço, e que também não tem cabimento falar de abstrações como estando localizadas em algum lugar. Onde estariam os conceitos de linha reta, de triângulo e de círculo? Não há sentido em falar de entidades abstratas como se elas devessem estar aqu i ou ali, atrás da cadeira ou em cima da mesa. Ora, se os pensamentos são imateriais, da mes ma maneira que as entidades abstratas, como poderíamos supor que eles ocorrem na nossa cab eça? Mas ainda, se pensamentos não são como as coisas ma teriais, isto é, são algo imaterial, como podem eles influir em algum tipo de processo ou estado corporal? Como pode algo imaterial, que não tem as propriedades de um objeto, ocasionar alguma alteração no domínio do mundo material, como por exemplo, um movimento do nosso corpo? Se separarmos mente e corpo, supondo que pensamento s são imateriais, não podemos explicar as nossas ações como decorrência d aquilo que se passa na nossa mente.
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24 Em outras palavras, tenho que imaginar que meu pens amento de me levantar, andar até a janela e abrir a cortina não tem nenhum tipo de rel ação com o fato de meu corpo se levantar, andar até a janela e abrir a cortina. Ora, isto seria tornar inexplicável o porquê dos nossos comportamentos. Pensar em levantar, andar até a janela e abrir a co rtina, e o ato físico de levantar, andar até a janela e abrir a cortina ocorrem quase ao mesmo tempo, mas isso não passaria de uma mera coincidência. A falta de uma resposta satisfatória para estes pro blemas levou alguns filósofos do século XVII e XVIII a propor outro tipo de solução para as dificuldades colocadas pelo dualismo, como conceber a existência de algo como u ma harmonia preestabelecida no universo, de acordo com a qual fenômenos mentais e fenômenos físicos, embora tenham propriedades diferentes e pertençam a ordens distin tas, caminham paralelamente no tempo e sempre se ajustam perfeitamente. Tudo se passaria como se tivéssemos dois relógios: um que correspondesse à ordem de eventos físicos e outro à de eventos mentais. Da mos corda nesses relógios exatamente ao mesmo tempo e quando eles estão marcando a mesma ho ra. Assim, embora não haja nenhuma ligação entre os dois relógios, saberemos q ue ambos sempre marcarão a mesma hora. Da mesma maneira os teóricos da harmonia pree stabelecida concebiam as relações entre a mente e o corpo: uma correspondência que di spensaria qualquer tipo de ligação. A idéia de uma harmonia preestabelecida seria uma r esposta satisfatória para o problema colocado pelas relações mente e corpo, se ela não envolvesse a idéia de um Deus todo-poderoso que colocou as duas ordens, a do físi co e a do mental, a se desenvolverem paralelamente, da mesma maneira que damos corda aos relógios exatamente ao mesmo tempo e quando eles estão marcando a mesma hora. Oc orre que a existência de um Deus nem sempre é uma hipótese inteiramente aceitável, s obretudo para aqueles que querem ter certeza de estarem fazendo ciência, ou uma filosofi a “verdadeiramente científica”. Mas o que dizer da doutrina oposta ao dualismo, ou seja, o materialismo, o qual estabelece uma identidade entre pensamento e matéri a (cérebro)? A visão materialista não parece resolver as dificuldades colocadas pelo prob lema das relações entre mente e corpo. Dizer que o físico e o mental são a mesma coisa não ajuda muito, pois pouco sabemos
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25 acerca da natureza da matéria. Até hoje a física moderna ainda não encontrou uma t eoria definitiva para explicar a natureza do mundo material. Esta sensação de indefi nição se acentuou ainda mais após as descobertas feitas no início do século XX, que obri garam os cientistas a rever todas as nossas concepções habituais acerca do que seja a ma téria. A teoria da relatividade e a teoria quântica propos tas no século XX fizeram com que o conceito habitual de matéria, entendida como corpo sólido que se move num espaço vazio, fosse progressivamente sendo abandonado. Os trabalhos de Einstein mostraram que aquilo que chamamos de massa ou matéria nada mais é do que uma forma de energia. Mais ainda, os estudos acerca da estrutura da matér ia e do mundo subatômico que se iniciaram desde então revelaram que os átomos não s ão partículas sólidas e duras como se pensava. Ao contrário, neles tudo se passa como se houvesse uma imensa distância entre o núcleo e partículas extremamente pequenas, os elétr ons, que se movem à sua volta. No mundo subatômico ocorre a transformação da matéria em energia e vice-versa, e aquilo que normalmente enxergamos como matéria ou corpo sólido nada mais é do que o resultado do movimento extremamente rápido das partículas em tor no do núcleo. Tudo se passa como quando observamos uma hélice que gira tão rapidamen te que temos a impressão de estar diante de um disco. Ora, o filósofo materialista poderia até mesmo tira r partido destas descobertas e dizer que o pensamento nada mais é do que matéria t ransformada em energia. Assim, não haveria necessidade de se falar de uma separação en tre mente e matéria. O dualismo deixaria de ter sentido. Mas o materialismo também não teria mais sentido, pois teríamos abandonado quase que inteiramente a nossa noção hab itual de objeto físico entendido como algo sólido, visível e compacto. Parece que o aprofundamento do exame da noção de ma téria nos leva a um círculo vicioso: quanto mais analisamos a matéria, mais cam inhamos em direção a abstrações. E para isto precisamos de algo distinto do mundo mate rial, pois só uma mente pode formar as representações abstratas com as quais a teoria físi ca trabalha. Chegamos a uma espécie de paradoxo do materialismo, pois ele estaria nos leva ndo de volta para as mesmas dificuldades que encontramos na teoria dualista.
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26 As dificuldades teóricas que enfrentamos quando ado tamos uma destas posições filosóficas, seja a materialista ou a dualista, sug erem que uma solução para o problema das relações entre mente e corpo e da natureza dos esta dos mentais (pensamentos) talvez ainda esteja muito distante. É possível que uma solução d efinitiva nunca venha a ser encontrada e que tenhamos de nos contentar com algumas propostas de solução que visem pelo menos a tornar alguns aspectos do problema mais claros e co mpreensíveis. É neste sentido que o modelo computacional da mente proposto pela IA pode ajudar a estabelecer algumas analogias entre mentes e máquinas, que podem, por s ua vez, esclarecer alguns aspectos do problema das relações entre mente e o corpo. Se retomarmos a noção básica de uma máquina de Turi ng, veremos como a IA permite estabelecer uma nova perspectiva para o pro blema que viemos tratando até então. Vimos no capítulo anterior que uma máquina de Turin g pode ser construída a partir de um equipamento relativamente simples, ou seja, uma fit a de papel e um marcador. Para termos uma máquina de Turing é preciso estipular um conjun to de instruções que especifiquem quais as operações que serão realizadas pela máquin a (no caso, mover a fita para a esquerda ou para a direita etc. ) Ora, a máquina de Turing incorpora um tipo de duali dade parecida com aquela que nos leva freqüentemente a opor mente e corpo: de um lado, um conjunto de regras abstratas (as instruções), e, de outro, a realização física d essas regras obtidas pelos diferentes estados da máquina. Foi precisamente esta dualidade present e na máquina de Turing que permitiu aos teóricos da IA propor uma perspectiva inovadora para o tradicional problema filosófico das relações mente e corpo: a idéia consiste em est abelecer uma analogia entre os estados mentais (pensamentos) e o software (conjunto de instruções da máquina ou programa do computador) de um lado, e entre estados cerebrais e o hardware ou os diferentes estados físicos pelos quais passa a máquina ao obedecer às instruções. Trata-se, naturalmente, de se traçar uma analogia entre o modo como nossa mente se relaciona com o nosso cérebro e não de dizer que nós funcionamos de maneira idêntica a uma máquina de Turing. De qualquer forma, esta simp les analogia já nos ajuda a esclarecer uma série de dificuldades conceituais. Em primeiro lugar, podemos conceber um paralelismo entre eventos mentais e eventos físicos ou cerebrais: as operações da máquina
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27 de Turing estabelecem uma co-relação precisa entre instruções ( software ou os estados mentais) e estados físicos da máquina ( hardware ou estados cerebrais). E este tipo de co-relação ou harmonia preestabelecida não precisa pos tular a existência de um Deus para tornar-se possível. O paralelismo entre eventos mentais/eventos cerebra is e o software /hardware de um computador sugeridos pelos teóricos da IA seria con firmado pelo fato de que programas escritos em linguagens computacionais diferentes po dem ser rodados numa mesma máquina, com uma mesma e única configuração de hardware. De maneira inversa, um mesmo programa pode ser rodado em computadores dife rentes, isto é, em hardwares diferentes. Isto significa que os programas têm uma grande autonomia em relação ao hardware, e que não teria sentido falarmos em reduzir um de terminado programa ao hardware da máquina onde ele é rodado, embora tenhamos de f alar de uma correlação entre programa e máquina. Uma coisa não seria possível se m a outra. Ora, é precisamente este tipo de correlação-que e mbora estabeleça a existência de uma dependência entre duas partes (máquina e progra ma), ao mesmo tempo lhes assegura uma autonomia-que constitui um excelente modelo p ara conceber relações entre mente e corpo. Este modelo, contudo, não constitui uma solu ção definitiva para o problema. Por exemplo, não podemos concluir, pela simples apl icação do modelo, algo acerca da própria natureza de nossos estados mentais, isto é, se eles são realmente compostos de uma substância diferente daquela que compõe a matér ia física ou não. Não obtemos uma resposta definitiva para o problema da identidade m ente-cérebro, mas talvez isso nem sequer seja necessário, se podemos pelo menos supor que existe algo que permite uma tradução ou uma ponte entre o físico e o mental. E essa ponte ou tradução seria dada pelo modelo da máquina de Turing. A adoção deste tipo de analogia para tratar o probl ema das relações mente-corpo tem ainda uma conseqüência interessante: sabemos que o que ca racteriza uma máquina de Turing não é o tipo de material ou de substância empregada na sua construção. A fita poderia ser de papel ou de material magnético, ou, em vez de termo s uma fita e um marcador, poderíamos ter um sistema de relés ou de transistores e chips, como ocorre nos computadores modernos. Isto quer dizer que, em última análise, n ão é preciso ter um cérebro igual ao
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28 nosso para que se tenha um sistema capaz de desenvo lver algo parecido com estados mentais. A inteligência não depende da existência d e algo como a matéria viva; ela é, antes de tudo, o resultado de maneiras específicas de org anizar certas instruções ou preencher certas funções, o que pode ser feito seja por um cé rebro, seja por uma máquina de Turing. E é neste sentido que a inteligência poderia ser recr iada artificialmente. Eis aí o grande projeto-ou talvez o grande sonho-da Inteligênci a Artificial! O ENIGMA DO SIGNIFICADO Uma nova maneira de conceber o problema das relaçõe s da mente com o corpo não foi a única novidade que a IA trouxe para a filosof ia, mas também uma nova perspectiva para refletir sobre a natureza dos problemas da fil osofia e da psicologia. A construção de réplicas de algumas das atividades mentais humanas alterou profundamente nossas próprias concepções habituais acerca da natureza do conhecimento. Criou-se a possibilidade de construir e testar prog ramas computacionais que simulem aspectos da percepção visual humana e aspectos de n ossas atividades lingüísticas. Estes programas computacionais ainda não atingiram um gra u de aperfeiçoamento que nos permita dizer que simulações perfeitas dessas ativi dades já tenham sido realizadas. Contudo, é através da tentativa de elaborá-los que passamos a compreender melhor o funcionamento e a natureza dos nossos próprios proc essos psicológicos envolvidos na percepção, na linguagem e em outras atividades ment ais humanas. O pressuposto desta nova perspectiva é que o estudo da possibilidade do conhecimento humano deve ser um estudo prático, exp erimental, e não apenas uma reflexão abstrata que antecederia o trabalho do cie ntista ou julgaria os resultados finais da ciência. É neste sentido que a IA tem gradualmente levado alguns filósofos a trocar a atividade puramente especulativa acerca dos fundame ntos do conhecimento pelo estudo do modo como simulações de processos mentais possam se r construídos de maneira que resultados satisfatórios sejam obtidos. Simulações funcionam como modelos, e é pela constru ção de modelos de nós
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29 mesmos que algum dia poderemos vir a conhecer os pr ocessos mentais que nos permitem falar, perceber o mundo e efetuar raciocínios. Os p róprios mecanismos com os quais produzimos conhecimento são as ferramentas que perm item desvendar sua natureza. A mente pode conhecer a si mesma sem que haja risco d e cairmos em algum tipo de circularidade: eis o que propõem alguns filósofos d a ciência contemporâneos e, juntamente com eles, os teóricos da IA. Contra a sentença que diz que o olho não pode enxergar a si mesmo, eles diriam: sim, isso era verdade. Até o di a em que foi inventado o espelho... Mas nem tudo são flores. O entusiasmo com que foram recebidas as realizações iniciais da IA e as novas perspectivas de abordagem de problemas tradicionais da filosofia não foram partilhados por toda a comunidade filosóf ica. A idéia de se construir uma inteligência artificial, paralela à nossa, trouxe t ambém muita indignação. A crítica, neste caso, tornou-se mais feroz do que nunca: afinal de contas, é entre os intelectuais que mais se valoriza o pensamento, e, assim, a possibilidade de que atividades mentais sejam executadas por uma máquina pode se tornar algo fran camente indesejável. Algumas críticas ao projeto da IA que apareceram na s décadas de 60 e 70 traduziram atitudes apenas emocionais. Chegou-se a afirmar que os computadores são máquinas ainda tão toscas e primitivas que usá-las para replicar a mente humana equivaleria a subir numa árvore empunhando uma vara de pescar e dizer que assim poderíamos tocar na lua. Outras críticas, entretant o, serviram para apontar para importantes falhas do projeto e tornaram-se valiosas contribuiç ões de caráter construtivo. Elas evidenciaram a necessidade de um estudo mais profun do da natureza dos processos mentais e dos conceitos que usamos para descrevê-los. A inquietação intelectual quanto às possibilidades de construção de máquinas pensantes teve início após um período de euforia pr ovocado pelas realizações iniciais da IA. Após esse período, os pesquisadores começaram a perceber que algumas tarefas às quais eles se propunham encontravam grandes dificul dades para se realizar. Isso aconteceu, sobretudo com as máquinas de traduç ão. A tentativa de construir uma máquina para traduzir vários idiomas esbarrava em dificuldades técnicas cuja superação parecia estar distante. Uma das dificulda des era o caráter ambíguo que assumem alguns termos da nossa linguagem, uma ambigüidade q ue nós, seres humanos, dissipamos
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30 pela referência ao contexto no qual esses termos oc orrem. Quando fazemos uma tradução de um texto do portuguê s para o inglês e encontramos, por exemplo, a palavra “linha”, sabemo s pelo contexto se o termo se refere à linha de trem ou linha de costura. No primeiro caso a tradução correta será “rail”, e no segundo, “thread”. O termo, ou signo é o mesmo, mas o significado é completamente diferente. Se o significado não é apreendido corret amente, a tradução será errada. Mas como programar uma máquina de maneira a que ela ven ha a apreender algo parecido com um contexto? Para apreciar a verdadeira natureza de sta dificuldade basta lembrar do princípio de funcionamento dos computadores: Como p ode uma máquina, que representa palavras em termos de estados internos definidos co mo 0 e 1, apreender uma variação de significado motivada por fatores contextuais? Estas dificuldades com que se defronta a construção de uma máquina para a tradução automática de idiomas parecem revelar a ex istência de um obstáculo muito grande para as pesquisas na área de processamento de lingu agem feita em IA. A representação da linguagem humana feita pelos computadores é realiza da em termos puramente sintáticos. Ou seja, um computador só é capaz de reconhecer se uma determinada sentença está bem construída do ponto de vista gramatical. Quanto ao significado de uma sentença, isto é, saber se ela tem sentido ou não, as máquinas de que dispomos até o momento ainda deixam muito a desejar. Para se ter uma idéia mais precisa do tipo de probl ema com o qual a IA ainda se defronta, basta percebermos que a sentença “Idéias verdes dormem furiosamente” é perfeita do ponto de vista sintático, embora não tenha senti do. Para apreender o significado de sentenças da nossa linguagem, seria preciso um crit ério mais refinado do que o puramente sintático. A velha objeção de Descartes contra a po ssibilidade de construir um autômato que pudesse articular a linguagem da mesma maneira que nós, humanos, parece não ter sido superada. Com o reconhecimento destas dificuldades, a euforia que predominava entre os pesquisadores da IA no pós-guerra começou a ser sub stituída por um conjunto de preocupações e dúvidas-muitas das quais foram lev antadas por filósofos. Será que todos os nossos processos mentais podem ser mecanizados e reduzidos a procedimentos efetivos?
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31 Seriam estes obstáculos reveladores de que todo o p rojeto da IA repousa sobre pés de barro? Estas dúvidas levaram ainda os filósofos a question ar outros aspectos da IA. Por exemplo, a famosa proposição de Turing que diz que podemos considerar uma máquina como ser pensante na medida em que ela produz compo rtamentos indistinguíveis dos de um ser humano foi colocada em xeque. Será que o simple s exame do comportamento externo, observável, de um organismo ou de uma máquina é suf iciente para que possamos concluir que esse organismo ou máquina é capaz de ter pensam entos? Um CD player toca Bach e Beethoven da mesma maneira que um músico o faz. Mas nunca diríamos de um CD player que ele o faz intencionalmente. Nem tampouco aplaud iríamos um CD player no final de uma execução. As inquietações não pararam por aí. No final da déc ada de 70 o filósofo norte-americano John Searle fazia uma viagem de avião par a uma cidade da Califórnia, na costa oeste dos Estados Unidos, quando teve uma intuição acerca de um dos problemas mais importantes que os teóricos da IA tinham deixado pa ssar desapercebido. Searle preparava, a bordo do avião, uma palestra qu e seria apresentada num simpósio de IA. Ele estava muito impressionado com uma série de programas computacionais que estavam sendo desenvolvido em al gumas universidades americanas. Esses programas tinham sido projetados com uma fina lidade específica: compreender estórias. Assim, por exemplo, se se fornece a um computador c om esses programas o seguinte relato: um homem entra num restaurante, pe de um sanduíche e sai sem pagar nem deixar gorjeta porque notou que o pão estava amanhe cido-o programa era construído de tal maneira que o computador “respondia” coerenteme nte a questões elaboradas com base no texto da estória. Ou seja, tudo se passava como num exercício de interpretação de textos daqueles que costumam cair em exames vestibulares. A diferença era que a interpretação do texto era efetuada por um computador, convenienteme nte programado para fornecer respostas adequadas. Tudo isso não teria nada demais se os autores deste tipo de programas computacionais não sustentassem que essas máquinas eram capazes de compreender as
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32 estórias que lhes eram fornecidas, e que tais progr amas funcionam exatamente como seres humanos no que diz respeito à capacidade de compree nder textos. Searle não se conformou com esse tipo de informação e elaborou um argumento filosófico-o Chinese Room Argument (Argumento do Quarto Chinês)-para mostrar que a idéia de que tais programas simulavam a atividade humana de compreender estórias e textos era completamente equivocada. A idéia centra l do argumento é inverter a situação de simulação e imaginar a tarefa executada pelo comput ador sendo realizada por um ser humano. Imaginemos então uma pessoa trancada num quarto que não tem portas nem janelas, apenas duas portinholas em paredes opostas. Esta pe ssoa fala apenas português, mas alguém lhe forneceu um texto em chinês e uma espé cie de tabela com regras e truques (escritos em português) para que ela, a partir de s entenças escritas em chinês, gere novas sentenças em língua chinesa. De vez em quando, abre-se uma das portinholas do quarto e alguém fornece a essa pessoa um novo texto escrito em chinês. O ocupante do quarto pega o texto inicial escrito e m chinês, os novos textos que foram introduzidos e, usando as regras de transform ação que estão na tabela, gera um terceiro texto em chinês. Como o processo é repetid o regularmente, ele vai adquirindo uma habilidade muito grande no manejo das regras de tra nsformação. Ora, esta situação corresponde ao que ocorre no int erior de um computador dotado de um programa para compreender estórias: o texto i nicial, que está com a pessoa trancada no quarto, corresponde à estória que é fornecida ao computador. As novas sentenças que são geradas com base nas regras de transformação po dem muito bem ser as respostas às perguntas que foram feitas com base no texto. Ocorre que a pessoa que está no interior do quarto, manipulando a tabela com as regras de transformação, embora produza sentenças q ue são respostas adequadas às perguntas sobre o texto em chinês, não compreende chinês. A pessoa não compreende o texto inicial em chinês, nem tampouco as repostas q ue são geradas. Tudo se passa de maneira parecida ao incidente do macaco que penetro u numa fábrica de máquinas de escrever e, apertando teclas ao acaso, acabou produ zindo o texto do Hamlet de Shakespeare. Diz-se que o macaco não tinha a menor idéia do text o que estava produzindo.
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33 À diferença da tabela com as regras de transformaçã o, o mesmo acontece na situação da pessoa trancada no quarto-uma situação imaginária que nada mais faz do que ilustrar, de forma mais didática, o que ocorre no interior dos c omputadores com seus programas. Da mesma maneira que uma câmara de televisão não vê nada, mas apenas reproduz imagens às quais nós atribuímos interpretações, os programas elaborados para compreender estórias na verdade nada compreendem. Eles apenas m anipulam símbolos-símbolos que não têm nenhum significado para a máquina. Trata-se de uma manipulação de sím bolos inteiramente cega. Dizer que uma máquina compreende ou enxerga é, no entender de Searle, um grande equívoco. É o mesmo que dizer que um papagaio fala, quando ele na verdade apenas emite sons que são imitados após mui tas repetições. Mas o que faz com que nós, seres humanos-à difere nça das máquinas-possamos compreender, enxergar e gerar significado para noss a linguagem, nossos pensamentos e nossas ações? Os filósofos chamaram a esta faculdad e de intencionalidade-uma propriedade que caracteriza nossos estados mentais. A intencionalidade se manifesta na medida em que sabemos a que se referem nossos estad os mentais. Quando falamos, não estamos apenas emitindo sons: sabemos do que estamo s falando e que nossas palavras se referem a coisas que estão no mundo. Todos os nosso s pensamentos-sejam expressos em palavras ou não-têm conteúdos que apontam para co isas ou situações do mundo. É impossível estar pensando sem estar pensando em alg uma coisa. E quando estamos pensando, sabemos selecionar, entre nossos estados mentais, aqueles que apontam para objetos que estão à nossa volta e aqueles que são m ais distantes, como, por exemplo, os conteúdos da nossa imaginação. De qualquer maneira, há sempre uma direcionalidade, algo como um apontar para fora de nós mesmos que faz com que nossos pensamentos adquiram significado ou sentido. Dizer que o significado é um produto da intencional idade não ajuda muito se não sabemos como e por que nossos pensamentos têm essa propriedade. Searle sustenta que a intencionalidade é o resultado das operações do nos so cérebro-operações químicas características dos seres vivos. Mas será que isso responde à nossa pergunta? Não estará ele tentando refazer o velho caminho do materialismo qu e procura identificar propriedades de coisas materiais com propriedades de estados mentai s? E se nem a própria teoria proposta
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34 por Searle explica definitivamente a natureza da in tencionalidade, não estará ele apenas apresentando mais um quebra-cabeças construído a pa rtir de conceitos obscuros? Muito se falou dos argumentos de Searle, principalm ente do Argumento do Quarto do Chinês. Filósofos favoráveis ao projeto da IA ap resentaram vários contra-argumentos às objeções de Searle. Alguns deles apontavam para fal has no argumento principal, salientando que não sabemos se de fato os computado res podem ou não compreender alguma coisa. A situação seria semelhante a quando observamos um ser humano responder a perguntas acerca de um texto qualquer: como podem os estar certos de que essa pessoa compreende o que está fazendo? Por acaso muitos de nossos processos mentais cotidianos não são tão rotineiros que os fazemos por associaçã o tão mecânica e cega como as do computador? E como podemos saber se alguém está realmente compr eendendo o que faz? Pelas suas declarações? “Sim, eu compreendo o que faço qu ando respondo a uma pergunta sobre o texto”. E uma máquina não poderia ser programada para fornecer esta declaração? O que nos resta é a observação do comportamento seja este o de um ser humano ou de uma máquina. A vida interior de um outro ser humano é a lgo a que temos um acesso muito limitado. Aliás, nossa própria vida interior é algo sobre o que pouco sabemos. Mesmo quando fechamos os olhos e tentamos examinar o flux o de nossos pensamentos, isto não nos dá nenhuma informação acerca de como ocorrem as operações do nosso cérebro. Somos, em grande parte, opacos para nós mesmos, e q uase que só temos acesso ao resultado de nossas operações mentais. Ora, será qu e não estamos na mesma situação de alguém que olha para os resultados das operações de um computador e, com base neles, quer sustentar a afirmação de que essa máquina nada compreende acerca das próprias operações que realiza? Poderíamos dizer muito mais coisas ainda no sentido de refutar o Argumento do Quarto do Chinês. Contudo, mesmo com novos contra-a rgumentos dificilmente abriríamos mão da crença de que nossa mente tem característica s que ainda não foram reproduzidas por sistemas artificiais. Parece que sempre teremos a sensação de que temos algo a mais do que as máquinas. Esse tipo de sensação é que levou alguns filósofos a supor, como Searle, que a intencionalidade dos nossos pensamentos é alg o de origem biológica e que a
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35 inteligência seria uma característica exclusiva dos seres vivos. Esses teóricos partem da suposição de que o signifi cado dos estados mentais é algo que se forma através da interação dos organismos co m seu meio ambiente. Uma interação que tem atrás de si toda uma história, ou melhor, t oda uma trajetória de evolução das espécies que resultou na formação daquilo que chama mos de “mente”-ou um órgão com características muito especiais. Se esta suposição for correta e algum dia comprovada, os teóricos da IA terão de rever seu programa ou até a bandoná-lo. Isto porque características de um ser vivo podem ser imitadas. Mas a vida, a hi stória e a evolução, estas talvez nunca poderiam ser recriadas num laboratório. CONCLUSÃO As críticas à IA de que falamos no capítulo anterio r não significam que o projeto de construção de máquinas pensantes esteja fadado ao f racasso. Elas apontam, contudo, para a existência de um grande conjunto de obstáculos que precisam ainda ser superados para que tenhamos algo parecido com a simulação de todas as atividades mentais humanas. Neste sentido a IA coloca um verdadeiro desafio à e spécie humana: será a inteligência um fenômeno único e original no univer so ou será que poderemos replicar a nós mesmos? Mas não significa isto equiparar nossa posição no universo à de um Criador? Nos últimos anos tem se falado com um entusiasmo se mpre crescente nas possibilidades abertas pela IA. Fala-se, inclusive, de computadores que, no futuro, serão capazes de reproduzir nossas próprias emoções. Mas, muitas vezes, o discurso entusiasta dos teóricos da IA parece servir apenas para oculta r uma enorme distância entre realidade e desejo. Este mesmo discurso tem servido, entretanto, de ale nto para que as pesquisas nessa área continuem. E novos horizontes parecem estar su rgindo continuamente, sobretudo agora, quando se passou a procurar novas arquitetur as internas para os computadores, quando novos modelos da mente humana, de inspiração biológica e neurofisiológica, têm
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36 sido propostos, o que nos leva a crer que dentro em breve ocorrerá uma verdadeira revolução teórica na IA. Uma revolução profunda, qu e poderá trazer modificações e alternativas à própria invenção de Turing, que até agora tem sido o ponto de partida de todos os trabalhos e pesquisas feitos nesse campo. Contudo, todo o esforço feito pelos pesquisadores d a IA não teria sentido se com esse projeto só se objetivasse produzir criaturas s emelhantes a nós. O verdadeiro espírito da pesquisa em IA consiste em usar seus métodos para a mpliar o conhecimento que temos acerca de nossa própria mente. Pois para produzir c riaturas idênticas ou semelhantes a nós existem métodos muito mais fáceis e prazerosos... Apostar no sucesso ou no fracasso do projeto de IA nas próximas décadas é algo que fica por conta do grau de otimismo que queiramo s ter. Aliás, para sermos criaturas realmente inteligentes, como pensamos que somos, é preciso que sejamos otimistas. Para que representarmos um mundo sombrio e pessimista? U ma vez, um filósofo alemão exprimiu seu otimismo na sentença: “Este é o melhor dos mundos possíveis”. E não é mesmo? Pois não é fantástico que usando apenas o pe nsamento e a linguagem, possamos nos situar no labirinto que quisermos? Que outro mu ndo poderia dar a nós a opção de escolher em que mundo queremos viver? SOBRE O AUTOR João de Fernandes Teixeira bacharelou-se em Filosofia pela USP-SP e obteve o g rau de mestre em lógica e filosofia da ciência na UNICAMP. Doutorou-se em filosofia da mente e ciência cognitiva na University of Essex, Inglaterr a. Desde 1992 é professor no Departamento de Filosofia da Universidade Federal d e São Carlos. Em 1995 e 1998 foi “visiting scholar” no Centro de Estudos Cognitivos da Tufts University, em Boston, a convite do Prof. Daniel Dennett. É bolsista de prod utividade em pesquisa do CNPq. Publicou O que é Inteligência Artificial (Brasiliense, 1990), O que é Filosofia da Mente (Brasiliense, 1994), Filosofia da Mente e Inteligência Artificial (Edições CLE-UNICAMP, 1996), Cérebros, Máquinas e Consciência (EDUFSCar, 1996), Mentes e Máquinas: uma introdução à Ciência Cognitiva (Artes Médicas, 1998, finalista do Prêmio Jabuti) Mente, Cérebro e Cognição (Vozes, 2. 000, segunda edição 2003) e Filosofia e Ciência Cognitiva (Vozes, 2004), além de Filosofia da Mente: Neurociência, Cognição e Comportamento (Editora Claraluz, 2005). Colabora com o curso de p ós-graduação em Tecnologia da Inteligência e Design D igital da PUC-SP e no momento prepara um livro sobre a filosofia da mente de Dani el Dennett.
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